A Leishmaniose não é uma doença recente. Muitos tutores de animais de estimação já terão ouvido falar de leishmaniose canina e sabem que se trata de uma doença grave e potencialmente fatal. Contudo, muitos desconhecem ainda a importância da sua prevenção. Como veremos ao longo deste artigo, a prevenção é a melhor arma contra esta doença!
A leishmaniose é uma doença causada por um parasita – a Leishmania sp – que é transmitido através da picada de flebótomos – pequenos insectos voadores, semelhantes a mosquitos.
Uma vez que a disseminação da doença depende da presença do insecto, as regiões mais afectadas são as que possuem um clima quente ou temperado e grau de humidade favorável ao desenvolvimento dos flebótomos.
Atualmente, são consideradas zonas endémicas (ou seja, onde a doença se mantém na população) as regiões da América do Sul, o Sul da Europa, o Norte de África e grande parte da Ásia.
Em Portugal, as regiões de Trás-os-Montes e Alto Douro, Lisboa, Setúbal, o concelho de Évora e o Algarve são consideradas endémicas, e por isso os cuidados de prevenção devem ser rigorosos! No entanto, dadas as características do nosso clima, é possível que se registem casos de doença um pouco por todo o país.
Os cães são os animais mais afectados pela doença, e são considerados os animais reservatórios do parasita. No entanto, outros animais domésticos (como o gato) e selvagens, e até mesmo o Homem, podem ser infectados e desenvolver leishmaniose – o que a torna bastante importante em questões de Saúde Pública.
Acontece que um cão parasitado por leishmanias representa uma fonte de contágio para outros flebótomos e possibilita a disseminação da doença e infecção de outros cães e de humanos.
Em algumas regiões do globo a leishmaniose tem mesmo um impacto muito grave na saúde humana (sendo conhecida por “doença de calazar”); contudo, em Portugal, esta é uma ocasião rara – ainda que possa ocorrer em pessoas com um sistema imunitário deprimido.
É importante esclarecer que um animal com leishmaniose não transmite diretamente a doença a humanos. A transmissão da doença ao homem dependerá sempre da picada de insectos que veiculem o parasita!
Por sua vez, a infecção de animais domésticos depende em parte da presença dos ditos insectos na região e do estilo de vida dos animais.
Em Portugal, os flebótomos estão mais ativos entre Maio e Outubro, e geralmente pode considerar-se que o pico de atividade destes insetos (e portanto o período crítico de infecção) ocorre entre Julho e Agosto. No entanto, a ocorrência antecipada e prolongada de temperaturas elevadas pode fazer com que esta época de atividade seja mais alargada.
Outro factor importante a ter em conta na infeção dos animais domésticos é o período do dia em que estes insetos são mais ativos – por norma, os flebótomos preferem os períodos noturnos, atuando sobretudo entre o entardecer e o nascer do sol.
Desta forma, cães que habitam no exterior ou passam a maior parte do seu tempo no exterior e cães que sejam passeados nos momentos de maior atividade dos insetos correm maior risco de serem infectados.
Além disso, também está descrito que cães de raças exóticas (isto é, de raças não autóctones) e raças de pelo curto, têm maior probabilidade de desenvolver a doença.
Uma vez infetados, os parasitas atingem e multiplicam-se em células do sistema imunitário (os macrófagos) e inicia-se uma resposta contra o parasita.
Na verdade, nem todos os animais que são infectados desenvolvem leishmaniose, e esta resposta imunitária inicial é fundamental para a determinar a progressão da infeção. Acontece que muitos cães desenvolvem a doença porque não conseguem montar uma resposta imunitária protetora.
Uma vez ultrapassadas as defesas do sistema imunitário, os parasitas disseminam-se por todo o organismo (pele, gânglios linfáticos, baço, fígado, medula óssea), e o sistema imunitário destes animais reage de forma imprópria, com a produção excessiva de anticorpos – resultando na lesão de diversos órgãos.
É muito possível que a doença se manifeste fora do período de atividade dos insectos, uma vez que o período de incubação (isto é, o período decorrente desde a infeção dos animais até ao aparecimento dos sintomas) é muito variável – pode demorar entre 2 meses a mais de 2 anos até que surjam os primeiros sinais de leishmaniose!
Geralmente, nos cães, a leishmaniose pode pronunciar-se através do crescimento exagerado das unhas, o aumento dos gânglios linfáticos, a perda de pelo e presença de caspa, feridas na pele e nos bordos das orelhas, transtornos articulares, lesões oculares, perda de peso e de massa muscular ou sangramentos do nariz.
A presença, em conjunto, destes sinais e do historial clínico dos animais levanta a suspeita clínica da doença. Contudo, o diagnóstico definitivo é alcançado através de análises laboratoriais que se destinam à pesquisa do parasita e avaliação do grau de infecção e estado geral do animal.
Lamentavelmente, não existe cura para a leishmaniose. Existem diferentes protocolos terapêuticos, cuja escolha depende do estado geral do animal e do grau de infecção. O tratamento é longo e exigente, nem sempre é eficaz e consiste na estabilização do animal e no controlo do parasita no organismo.
Contudo, na maioria dos casos, o tratamento não permite a eliminação da infecção. E quando não é tratada, a leishmaniose é fatal.
Uma vez que a leishmaniose é uma doença com implicações na Saúde Pública, em Portugal, se os tutores de um animal com leishmaniose decidirem não avançar com o tratamento médico veterinário, por lei é obrigatória a eutanásia do animal (Decreto Lei nº314/2003 de 17 de Dezembro).
Na ausência de uma cura e de um tratamento permanente, adotar medidas de prevenção é o melhor método contra a doença!
Felizmente, em Portugal existem algumas ferramentas úteis contra a leishmaniose canina, incluindo uma vacina e um medicamento que pode ser administrado por via oral que reforça o tipo de imunidade que atua contra os parasitas da leishmaniose.
Consoante a região em que habita, a raça e peso do seu animal e o seu estilo de vida, o seu médico-veterinário poderá recomendar-lhe adicionar uma destas opções ao plano de saúde do seu patudo.
Contudo, estas medidas não devem substituir outros cuidados preventivos – até porque a sua utilização não previne a picada do insecto. Neste sentido, quer se opte pela vacinação ou utilização do medicamento oral, é importante continuar a utilizar produtos veterinários que repelem o insecto.
Recomenda-se também que evitar passeios durante o período de maior atividade dos insectos, entre o entardecer e o amanhecer, assegurar um bom estado de saúde do animal e realizar controlos de saúde regulares.
O seu médico-veterinário poderá aconselhá-lo melhor sobre o estado de saúde do seu patudo e sobre os prós e contras da utilização destes produtos na prevenção contra a leishmaniose.
José Coucelo, DVM